Afinal, Inteligência de Negócios ou Inteligência Operacional?

Sua empresa é invisível.

Quero dizer, eu sei que você pode vê-la. Mas mesmo que ela fabrique e entregue algum bem material, todo trabalho e toda organização é controlada com auxílio de computadores. Pedidos, tickets de suporte, contratos, listas de materiais etc. etc. etc. são coisas que existem eletronicamente e apenas em casos especiais possuem uma existência física.

Reconhecendo esse fato, entendemos que é impossível gerenciar, planejar e executar sem as informações que estão armazenadas nos sistemas computadorizados. Há muito tempo não nos perguntamos se devemos investir em sistemas de análises de dados, mas sim quanto devemos investir.

Até mais ou menos 2010, esses sistemas eram conhecidos coletivamente pela sigla BI, de Business Intelligence. O surgimento de uma tecnologia chamada Hadoop, em 2006, e sua explosão por volta de 2010, barateou o processamento de enormes volumes de dados, que por sua vez alimentou o mercado de soluções de Data Mining. O próprio termo Data Mining passou por um banho de loja e virou Data Science.

Por isso que, hoje em dia, quando se fala em soluções dados, o que primeiro vem à mente são projetos de BigData aliados à Data Science e a uma penca de outras buzzwords, como Machine Learning, inteligência artificial e por aí vai.

Em meu artigo anterior, Morte por Metonímia, eu discuti justamente a tendência em buscar produtos cujos discursos de venda se alinham aos problemas percebidos. Hoje eu vou chamar a atenção para uma consequência dessa atitude.

Como dados geram valor?

Em nosso trabalho diário realizamos inúmeros tipos de tarefas, como planejar, executar, acompanhar e analisar.

Essas, e vários outros tipos de atividades, requerem informação. Por exemplo, para planejar precisamos conhecer as capacidades envolvidas; para executar e acompanhar, necessitamos da disponibilidade dos recursos; para analisar, é importante dispor de históricos.

Essas informações derivam de dados, que são os registros eletrônicos que representam elementos de negócios. Clientes, produtos em estoque, empregados, fornecedores e muitas outras coisas na sua empresa são representadas por registros, reunidos em linhas, dentro de tabelas, agrupadas em bancos de dados, que por sua vez são alimentados por processos de negócio.

Tais dados geram valor na medida em que nos permitem realizar nossas tarefas. De maneira geral, usamos esses dados para responder perguntas de negócio, como por exemplo:

  • Qual é o nosso estoque hoje?
  • Quanto tempo esse estoque vai durar?
  • Quem é nosso melhor cliente?
  • Que cliente vai nos dar calote amanhã?
  • Quanto cada fornecedor atrasou o último pedido?
  • Qual fornecedor é o mais confiável?
  • Quantos empregados faltaram hoje?
  • Quantos empregados vão faltar mês que vem?

Leia a lista novamente. Se você pensar um pouco, vai notar que podemos categorizar as perguntas em dois tipos.

O primeiro tipo são perguntas como:

  • Qual é o nosso estoque hoje?
  • Quem é nosso melhor cliente?
  • Quanto cada fornecedor atrasou o último pedido?
  • Quantos empregados faltaram hoje?
  • Que pedidos estão atrasados?
  • Já batemos nossa meta?

Essas perguntas dizem respeito à situação corrente, ao aqui e agora. Vamos chamá-las de perguntas do tipo 1.

O restante da lista, e mais algumas outras perguntas, são:

  • Qual fornecedor é o mais confiável?
  • Quantos empregados vão faltar mês que vem?
  • Quanto tempo esse estoque vai durar?
  • Que cliente vai nos dar calote amanhã?
  • Por que atrasamos os pedidos?
  • Quantos pedidos serão entregues com atraso ainda neste mês?
  • Bateremos nossa meta? Caso afirmativo, quando isso vai acontecer?

Essas perguntas, que chamaremos de tipo 2, são informações muito valiosas, pois nos permitem evitar problemas antes que surjam e mudar o rumo das coisas. Essas são as perguntas que nos ajudam a melhorar continuamente e, desta forma, criar vantagens competitivas, bem como melhorar a lucratividade.

Em resumo:

Existem duas demandas distintas por análises de dados dentro uma organização: Operacional (tipo 1) e Estratégico (tipo 2).

Bife de Panela

Imagine que você queira fritar um bife. Você tem a carne, os temperos, mas te falta uma frigideira. Ao invés de sair para comprar uma você decide quebrar um galho com o que tem à mão, como uma panela de pressão. Com um pouco de sorte, apesar de algumas queimaduras leves, você consegue fritar o bife ali. Não ficou um resultado estelar, mas serve. A situação inversa não teria um final tão razoável: se você quiser fazer feijão usando uma frigideira, teria que ficar horas cozinhando.

Usar as ferramentas certas para cada tarefa é muito importante. Tentar executar uma tarefa com ferramentas inadequadas pode, na melhor das hipóteses, criar algum desperdício. Na pior, pode levar a uma falha catastrófica.

Se temos dois tipos de demandas diferentes, por definição precisamos ter dois tipos de soluções diferentes. Tentar responder perguntas do tipo 1 usando técnicas adequadas ao tipo 2, e vice-versa, vai gerar um grande desperdício, no mínimo. No máximo pode comprometer a existência da empresa.

Inteligência Operacional

As demandas do tipo 2, estratégicas, são atendidas por meio de projetos de dados clássicos: constrói-se um repositório para acumular dados históricos, que depois são estudados e analisados, eventualmente até empregados em projetos de Data Science em busca de padrões para automação de decisão.

Por definição, dizemos que perguntas do tipo 2 correspondem à Inteligência de Negócios – BI. Para responder esse tipo de pergunta, muitas vezes partimos do pressuposto de que precisamos executar um projeto de BI com os seguintes passos:

  • Contratar uma infraestrutura (hardware, rede etc.);
  • Contratar softwares para cargas de dados e Data Mining;
  • Alocar um time em projeto de repositório de dados;
  • Executar sprints de carga de dados e depois de análises.

E as demandas do tipo 1? Também são problemas de Inteligência de Negócios? Pensemos um pouco e vejamos se conseguimos determinar isso.

Vamos analisar um exemplo: digamos que queremos responder à simples pergunta “quanto temos de cada item em estoque?”. Se essa pergunta for de Inteligência de Negócios, também há uma crença de que é necessário executar um projeto de BI da seguinte forma:

  • Contratar uma infraestrutura;
  • Contratar softwares para cargas e apresentações de dados;
  • Alocar um time em projeto de repositório de dados;
  • Executar sprints de carga de dados;
  • Finalmente, construir e implantar um painel para exibir a resposta.

Isso parece razoável? Todo esforço para responder uma pergunta simples? Neste caminho, muito tempo e dinheiro serão gastos antes de entregar uma resposta que poderia ser obtida em poucos segundos na tela do sistema de origem – até mesmo manualmente!

É o mesmo que fazer feijão na frigideira: péssima idéia.

Logo, as perguntas do tipo 1 não são de Inteligência de Negócios e, portanto, não podem ser tratadas da mesma forma.

Perguntas do tipo 1 correspondem à Inteligência Operacional – OI, que é a disciplina que busca responder perguntas operacionais de negócio. Por definição, o conjunto de processos, ferramentas e habilidades empregadas em projetos de Inteligência Operacional é diferente do conjunto usado em projetos de Inteligência de Negócios.

Sua empresa tem um time de Inteligência Operacional?

A conclusão acima parece óbvia?

A sua empresa está conduzindo, hoje, dois tipos diferentes de projetos de dados? Ou uma só equipe, com um só conjunto de ferramentas, atende todas as demandas, sejam de BI ou de OI?

Se sim, parabéns: você faz parte de um seleto time de empresas que entendeu um aspecto fundamental da informatização moderna. Para as pessoas normais, como eu, constatar a existência da Operational Intelligence (OI) é um choque. Sim, porque OI é como aquelas ilusões de óptica em que vemos algo, até o momento em que percebemos outra figura – é impossível “desver”.

Implicações

Se temos duas necessidades claramente distintas, com públicos-alvo, premissas e técnicas diferentes uma da outra, não podemos tratá-las como a mesma coisa.

A primeira implicação é o time-to-market: perguntas de OI são necessárias no dia a dia da empresa. Uma necessidade identificada hoje precisa ser resolvida hoje mesmo. Colocar uma demanda de OI na mesma fila das demandas de BI vai prejudicar a empresa.

A segunda implicação é o custo do resultado: perguntas do tipo 2 requerem um trabalho considerável e levam um bom tempo até chegar a uma resposta. Já demandas de OI são simples. Quando um projeto montado para atender uma demanda de BI recebe uma de OI, boa parte das atividades serão desperdício puro. Para que montar um modelo de dados? Para que criar um processo de ETL (do inglês Extract Transform Load, são ferramentas de software cuja função é a extração de dados de diversos sistemas)? Para que atualizar o repositório de dados históricos? Para que isso tudo, se basta uma consulta no sistema de origem e está resolvido?

Finalmente, a terceira implicação é o prejuízo ao projeto de BI: ao invés de a equipe de Business Intelligence se dedicar a resolver problemas estratégicos de negócio, elas gastarão parte do seu tempo resolvendo problemas operacionais. E isso tem um efeito duplo: ao mesmo tempo que frustra quem está aguardando um resultado de BI, frustra quem espera demais por um resultado de OI.

Conclusão

Toda empresa produz dados a partir de seu funcionamento diário. Esses dados podem ser usados para resolver dois tipos de problemas: o tipo 1, operacional, e o tipo 2, estratégico.

Cada tipo de necessidade tem características particulares e distintas das do outro:

AspectoEstratégicoOperacional
Ciclo de vida dos dadosHistóricoVivos, quase tempo-real
Origem dos dadosArmazém de DadosSistema de origem
Velocidade de manuseio dos dadosNão é críticaCrítica
Funcionalidade mais importanteData MiningFormas de visualizar os dados

É perigoso, se não pura e simplesmente prejudicial, uma empresa tentar resolver dois problemas diferentes empregando a mesma solução. Se são problemas diferentes, precisam de soluções diferentes, ou seriam iguais. Ou você assinaria a compra de uma solução de CRM (Gestão de Relacionamento com Cliente) para usá-la como ERP (Enterprise Resource Planning ou Planejamento de Recursos Empresariais) ou vice-versa?

Solucionar as necessidades de dados operacionais com um projeto de BI causa três prejuízos:

  • Demora na solução dos problemas de OI ou BI;
  • Aumento dos custos;
  • Redução da produtividade.

Efeitos laterais também surgem, tais como frustração geral e perda de moral por aumento das dificuldades.

A solução para isso é estabelecer não um projeto de BI para tudo, mas dois projetos: um de OI para responder perguntas do tipo 1, e outro de BI, para as perguntas do tipo 2.

Em meu próximo artigo falaremos um pouco sobre as estruturas de ambos tipos de projetos.

Até lá!

Físico pela Unicamp, atuou como Gerente de Soluções no SAS, multinacional de BI, com mais de 20 anos de experiência no mercado de Inteligência de Negócios e soluções de dados. No SERPRO desde 2005, atuou na Superintendência de Desenvolvimento (SUPDE), no papel de Analista de Sistemas do Projeto de Data Warehouse Pessoa Física da RFB. Hoje está na área de gestão de produtos. Participou de várias edições do Pentaho Day, do Congresso de Tecnologia da FATEC São Paulo e na edição de 2015 da Latinoware, além de inúmeras palestras sobre BI, BigData, Data Warehouse, Agile BI e Data Culture. Autor e instrutor dos cursos "BI com Pentaho" e "Agile BI com Pentaho". Co-autor do primeiro livro sobre Pentaho em Português, "Pentaho na Prática", autor do livro "Fundamentos de Inteligência de Negócios". Minha imagem de capa, de Stefan Keller, disponível em Pixabay é um texto sobre a figura de UFO ameaçador - como são os dados para as idéias pré-concebidas.

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