Crises reforçam nossa incapacidade de aprender com o futuro

Nossa história como sociedade é incrível. Ao analisarmos a teoria dos Ciclos de Inovação de Schumpeter, percebemos claramente que nosso processo evolutivo tem acelerado. Parece que nossa capacidade de inovar e criar tem aumentado exponencialmente ao longo dos anos.

Para quem assistiu à série da Netflix “O Problema dos Três Corpos”, a evolução acelerada é ilustrada em um episódio (pequeno spoiler) onde um personagem observa que a humanidade está evoluindo tão rapidamente que logo terá tecnologia suficiente para explorar, ou quem sabe, dominar o universo. Isso demonstra que as ondas de inovação estão ocorrendo em intervalos de tempo cada vez mais curtos. No início da Revolução Industrial, um ciclo durava 60 anos; hoje, dura entre 10 e 20 anos. E segue diminuindo.

A verdade, no entanto, é que aprender com o passado não necessariamente nos prepara para o futuro. Embora desejemos criar o futuro, nossas decisões são baseadas nas experiências do passado. Isso muitas vezes resulta em mais consequências negativas do que positivas, tanto para as empresas quanto para a sociedade em geral. Hoje, gerenciamos mais crises do que aproveitamos oportunidades. Muitas dessas crises são reflexos de decisões anteriores, tomadas sem um planejamento claro de um futuro desejado. Frequentemente, não fazemos planos de prevenção ou mitigação de riscos de forma espontânea; geralmente, cumprimos apenas regras de conformidade.

Somos uma sociedade que prefere remediar. Muitas pessoas se orgulham da capacidade de adaptação e superação diante de adversidades, mas talvez não devam. É o velho ditado: somos os heróis que salvam a sociedade dos perigos que nós mesmos causamos. Por exemplo, preferimos terceirizar nossa saúde para médicos e hospitais e investir em procedimentos paliativos em vez de agir preventivamente. Esse comportamento demonstra que assumimos riscos futuros baseados nas informações do presente e do passado.

Aprendemos com o passado, decidimos pelo presente e jogamos o futuro nas mãos do acaso. Trago algumas evidências para ilustrar isso:

Evidência 1: Nosso limite psicológico

Parte das nossas decisões é baseada em heurísticas, o que nos leva a acreditar em informações imprecisas. Evitamos investir no pensamento crítico e deixamos nosso cérebro guiar nosso julgamento inconsciente, o que faz com que ignoremos informações importantes. Nosso cérebro busca decisões rápidas e, ao fazer isso, ignora alguns dados. O pensamento heurístico facilita a escolha rápida, similar ao cérebro reptiliano, que reage com opções básicas: fugir ou atacar. Nosso cérebro busca referências conhecidas e, ao se cansar, apressa a decisão. Essa limitação é natural, pois nem sempre temos todas as informações necessárias do que já foi vivido, imagina quando falamos de futuro.

Evidência 2: O pensamento “afastar-se de”

Após tomarmos uma decisão, frequentemente olhamos para o passado e dizemos coisas como: “Ah, se eu estivesse lá, faria diferente”, ou “se eu pudesse voltar no tempo, agiria de outra forma”. No entanto, a verdade é que não sabemos. Não estávamos lá e, pelo menos por enquanto, não podemos voltar no tempo. Tomamos as melhores decisões com base nas informações disponíveis naquele momento. Ao observar um fenômeno ocorrido, temos a vantagem das informações adicionais sobre os efeitos da decisão tomada. Normalmente, nossas decisões são limitadas por recursos, especialmente tempo e conhecimento. Em ambientes complexos e incertos, uma decisão ótima é difícil de ser tomada, pois ela só existe dentro de um contexto amplamente conhecido. Certamente, você não precisa colocar a mão no fogo para confirmar que ele machuca sem proteção adequada.

Acredito que essa “evidência 2” é a grande vilã em tempos de crise, alimentando um modelo de pensamento que considero tóxico: o “afastar-se de”. Isso significa que negamos o estado atual, criticamos o passado, mas não nos preocupamos em propor um estado futuro desejado. Nas organizações, isso se manifesta como: “Nossa receita está caindo e não queremos isso; precisamos aumentá-la”. É óbvio que empresas não gostam de ver suas receitas em queda. Meu ponto é que não aprendemos com o futuro olhando apenas para o passado e negando o presente. O legado é importante, pois mostra nossas capacidades de realizar coisas, muitas vezes extraordinárias. No entanto, por si só, ele não é suficiente para enfrentar a volatilidade e a incerteza que vivemos hoje.

Tenho a impressão de que vivemos em uma cultura do paliativismo, onde investimos em práticas de assistência para oferecer dignidade e reduzir o sofrimento diante de crises, sejam elas quais forem. Na medicina, o termo é usado para tratar pacientes terminais ou em estágio avançado de doenças. Podemos ver um exemplo claro na crise climática e nos desastres ambientais da última década. Atualmente, no Rio Grande do Sul, estamos enfrentando a maior enchente da nossa história. Mais de 2 milhões de pessoas foram afetadas, com 580 mil desalojadas e mais de 70 mil em abrigos. Dos 497 municípios gaúchos, 441 sofreram danos devido à enchente.

É natural que o pensamento agora seja de “afastar-se de”, ou seja, não queremos nosso estado como está, com água, pontes e estradas interrompidas. O povo gaúcho tem mostrado uma enorme capacidade de superação, empenho em ajudar e força na união. O Brasil se solidarizou e continua ajudando. Mas também precisamos estimular o pensamento “em direção a”, que nos leva a considerar como queremos nosso estado no futuro. Precisamos aprender com essa crise para criar um futuro melhor e não apenas registrá-la como parte do passado.

Como podemos desenvolver a capacidade de aprender com o futuro

Para desenvolver a capacidade de aprender com o futuro, precisamos ampliar nossas referências e alimentar nosso cérebro com evidências concretas, reduzindo assim incertezas e falácias. Tanto organizações públicas quanto privadas devem reconhecer o poder da cooperação entre todas as partes interessadas — sociedade, corpo científico, governo e iniciativa privada — através da troca de conhecimento. Quando segregamos e aprisionamos o conhecimento em silos, todos saem perdendo. Por exemplo, é muito mais demorado e custoso para uma empresa desenvolver uma nova tecnologia sozinha do que recorrer à inovação aberta. Da mesma forma, quando o governo ignora a ciência e prioriza relações políticas, ele se torna ineficaz e coloca em risco a sociedade, que deveria ser sua maior preocupação.

O mundo é cheio de surpresas, e precisamos aceitar a incerteza e nos ajustar a ela, em vez de tentar ignorá-la. Vivemos em uma era de constante mudança, e nossa sociedade precisa aprender a ser flexível e adaptativa, antecipando transformações. Nem tudo é tão imprevisível quanto parece. Uma sociedade que se adapta à incerteza tende a apresentar um desempenho melhor do que aquelas que não conseguem se ajustar. Para isso, precisamos exercitar mais o lado visionário de nossos cérebros, trabalhar de forma preditiva e não deixar a superação das adversidades apenas nas mãos das pessoas.

Co-Fundador da ABO Academy, sócio e head de Consultoria na  SURYA | Business Agility Getting Real (2001), uma empresa de consultoria e educação executiva, referência em Agilidade de Negócios no Brasil, que desenvolve programas de aceleração de resultados baseados nas abordagens Lean, Ágil e Exponencial (ExO).

Formado em Publicidade e Propaganda, especialista em Marketing Estratégico e Mestrando em Ciência da Computação, atua como palestrante, mentor e consultor em projetos de agilidade de negócios e transformação digital de empresas.

Sou um incentivador, estudioso e disseminador dos princípios e valores presentes no papel do Agile Business Owner. Um modelo de liderança para a nova economia digital, que unifica o que há de melhor dos pensamentos Lean, Ágil e Exponencial e torna líderes de negócio agentes inspiradores e catalisadores de mudanças organizacionais.

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