Compreendendo a Agilidade de Negócios

Uma das buzz words mais quentes do momento é, sem dúvida, a “Business Agility”, ou Agilidade de Negócios. Paradoxalmente, esta é uma expressão que é muito mais mencionada e discutida nos círculos de pessoas de TI do que de Negócios.

Da mesma forma, muitos dos – se não todos – frameworks que são utilizados para escalarmos a agilidade afirmam que são orientados a promover a Agilidade de Negócios nas organizações (e tenho certeza de que alguns de fato têm o potencial para fazê-lo com sucesso). E a combinação destas duas coisas leva a um grande desentendimento: de que Agilidade de Negócios é um conceito de TI e que requer agilidade em escala para funcionar.

Mas fique sabendo: há um bom motivo para que “Business Agility” comece com “Business” e escalar times ágeis não é um pré-requisito para atingi-la. Na verdade, ao se escalar times ágeis antes que se entenda o que de fato é a Agilidade de Negócios vai fazer com que a sua organização invista seu tempo, energia e recursos em algo que provavelmente não vai trazer melhorias na geração de valor (em outras palavras, desperdício).

Mas estou me adiantando aqui. Afinal de contas, o que é Agilidade de Negócios? De acordo com:

  • Business Agility Institute: É um conjunto de capacidades organizacionais, comportamentos e formas de se trabalhar que dão ao seu negócio a liberdade, flexibilidade e resiliência para atingir o seu propósito.
  • Scaled Agile, Inc.: É a habilidade para competir e prosperar na era digital ao se responder rapidamente às mudanças do mercado e oportunidades emergentes com soluções de negócio inovadoras e habilitadas digitalmente.
  • Wikipedia: Se refere à rápida, continua e evolucionária adaptação sistêmica e inovação empreendedora direcionada ao ganho e manutenção de vantagem competitiva.

Estas são todas ótimas definições, carregando toneladas de significado compactado em frases curtas. Meu objetivo aqui será justamente descompactar um pouco deste significado para clarificar para vocês este conceito tão importante.

Business Agility começa com “Business”

Uma das primeiras coisas que se percebe quando falamos com organizações que estão implementando iniciativas para promover a Agilidade de Negócios é que a grande maioria delas foca primeiro na Agilidade Operacional e só depois é que move para a parte do “Negócio”.

Ou seja, elas começam com a adoção de práticas ágeis nos times de TI e depois vão tentar envolver a área de negócio no processo. Alguém aí se familiariza com esta abordagem? Aposto que sim. Mas há um grande problema com esta abordagem: Ela ajuda a solidificar a ilusão que temos de que Negócios e Tecnologia podem ser tratados a parte e otimizados individualmente para melhorar a empresa.

Russell Ackoff, uma das grandes mentes no tema do Pensamento Sistêmico disse:

“Um Sistema nunca é a soma de suas partes; é o produto de suas interações. O desempenho do Sistema não depende de como as partes desempenham de forma separada, ele depende de como elas desempenham juntas – como elas interagem, não como elas agem de forma separada. Desta forma, quando se melhora o desempenho de uma parte do Sistema de forma isolada, pode se destruir o Sistema.”

Russel Ackoff
Escute o próprio Russel explicando melhor o conceito neste vídeo (o trecho começa aos 5:00):

Se ainda assim alguém acredita que um sistema é a soma de suas partes, então imagine que eu te entregue as peças desse relógio e te diga:

“Aqui está um relógio de bolso. Podes me dizer que horas são? Afinal, temos todas as suas partes, certo?

O entendimento de que uma empresa (um Negócio) como um sistema é fundamental para o entendimento do conceito de Agilidade de Negócios.

Ao passo que, quando uma empresa cresce, é natural que surjam áreas de especialização e lideranças para cada uma destas áreas, como por exemplo RH, Financeiro, Vendas, Marketing, TI, entre outras. Mas acontece que, em algum momento deste crescimento da empresa, é comum que algumas destas áreas passem a se enxergar como se fossem suas “próprias empresas”.

Silos se formam quando as partes do sistema se esquecem da importância da sua interação com as outras áreas, focando apenas na sua habilidade em serem mais eficientes isoladamente. Os silos passam a acreditar com certeza de que trarão benefícios para a empresa maximizando somente seu próprio desempenho.

Da mesma forma que uma montadora de carros, onde um time responsável pela produção de um conjunto de peças para um modelo específico de carro melhorou seu processo de tal forma que agora eles rapidamente geraram um estoque de dezenas de milhares de peças de alta qualidade, baratas e completamente inúteis, já que aquele modelo de carro estava para ser descontinuado no próximo ano devido a sua baixa taxa de vendas.

Não se pode otimizar as partes de um sistema e acreditar que o todo será melhorado

A não ser que as pessoas na liderança do negócio percebam que a empresa é um sistema – não a soma de suas diferentes áreas e unidades, mas sim o produto de suas interações, qualquer tentativa de se atingir os benefícios prometidos nas definições de Agilidade de Negócios certamente irá falhar.

Agora que está claro que não devemos realizar mudanças nas partes de forma isolada, sem antes entendermos como estas partes interagem umas com as outras, o nosso próximo passo nesta jornada é justamente entendermos como estas partes interagem.

Para fazer isso, precisamos entender qual é o valor produzido pela organização para seus clientes e demais partes interessadas e os passos necessários para que o mesmo seja gerado em sua plenitude. O correto entendimento de como o valor é gerado é essencial neste processo, cuja análise pode ser feita pelo “Mapeamento da Cadeia de Valor” (Value Stream Mapping).

Esse estudo consiste na identificação dos passos executados na perspectiva da operação do negócio, uma vez que um gatilho de demanda é disparado, resultando na geração de Valor. O tempo entre o disparo do gatilho e a geração de valor é chamado de Lead Time. Vide exemplo abaixo:

Créditos da imagem para © Scaled Agile, Inc.

É importante ressaltar que, quando falamos de valor aqui, estamos falando realmente de VALOR. Ou seja, aquilo que sustenta a empresa, faz a alegria dos acionistas e paga nossos salários. É importante também não cairmos na armadilha de limitarmos o conceito de valor às fronteiras de nossas áreas, departamentos, unidades ou a qualquer outro silo onde possamos estar.

De volta ao nosso exemplo da montadora de carros, o valor pode ser visto como “entregar o carro pedido pelo cliente”, mas de forma alguma seria “produzir a maior quantidade possível de peças para que possam ser usadas na montagem de carros”. Você percebe a diferença?

Cada organização terá a sua própria definição de valor e, possivelmente, mais de uma cadeia de valor. Durante esse processo, ficará claro como as diferentes áreas (ou silos) de nossa organização interagem (ou deveriam interagir) de forma a gerar valor de forma organizada.

Para mais informações sobre cadeia de valor, sugiro a leitura deste artigo da Scaled Agile, com muito exemplos e mais profundidade sobre o tema. Ou deste aqui, de minha autoria, com uma explicação mais lúdica do conceito.

Em resumo, os principais objetivos de se identificar e mapear uma cadeia de valor na empresa são:

  1. Alinhar o conceito de valor no seu contexto,
  2. Entender como ele é gerado através das interações das diferentes áreas, unidades e departamentos.

Compreenda que a cadeia de valor passa a ser o nosso sistema, motivo pelo qual utilizaremos uma abordagem sistêmica para otimizá-la, de forma a tornar melhor a capacidade de geração de valor da organização.

Melhorando o Sistema com o Pensamento Enxuto

Quando falamos de Agilidade nas perspectivas tática e operacional, estamos falando na prática de uma mentalidade Lean + Ágil nas organizações, pois o pensamento enxuto (Lean) está na essência dos Princípios Ágeis.

Aos olhos do pensamento enxuto, devemos focar na criação de uma plano tático que irá promover uma melhoria na eficiência do fluxo de nossa cadeia de valor. Devemos atuar de forma incansável na identificação e resolução dos detratores do lead time, como gargalos, atividades que não agregam valor ou geram longos tempos de espera como a passagem do trabalho para outras áreas ou a necessidade aprovações centralizadas em pessoas externas ao time.

Créditos da imagem para © Scaled Agile, Inc.

O foco na eficiência do fluxo é um grande desafio, uma vez que a formação de silos costuma priorizar a eficiência dos recursos e não da entrega de valor para o negócio. Em outras palavras, os silos acreditam que é aceitável nos preocupar com a produtividade das peças ao invés de focarmos na entrega de carros de qualidade para nossos clientes.

O Lean vai garantir que a nossa prioridade, no nível operacional, seja a eficiência de fluxo e, somente depois, buscaremos a melhoria na eficiência de recursos – desde que isto não comprometa a eficiência de fluxo – sabendo-se que é impossível atingir a excelência em ambos. Para maiores detalhes sobre como o Lean pode nos ajudar, fica a forte recomendação de leitura do livro “Isto é Lean”.

Chegamos num ponto em que entendemos qual é o nosso sistema e identificamos boas oportunidades de melhoria devidamente alinhadas com a nossa abordagem para a melhoria do fluxo (aumentar nossa eficiência em gerar Valor). Esta é a hora de implementar estas mudanças no sistema!

Executando a Melhoria com o Pensamento Ágil

Temos agora um backlog de melhorias de fluxo que queremos realizar em nosso sistema. No backlog também temos novas funcionalidades desejadas pelos nossos clientes para os produtos e serviços fornecidos por nossa cadeia de valor.

Uma vez que estamos falando de melhorias na perspectiva dessa cadeia de valor, significa que cada uma delas pode ser quebrada em componentes menores, mais tangíveis para serem processados pelos diferentes times que atuam ao redor da cadeia. Podemos aqui aplicar a abordagem Lean Portfolio Management para gerenciarmos os itens de backlog em mais alto nível.

Vamos utilizar práticas ágeis para organizar, refinar e priorizar este backlog a fim de garantirmos as pessoas certas neste processo. Vamos utilizar os princípios do Kanban como “Visualize o Fluxo de Trabalho” e “Limite o trabalho em progresso” para gerenciar como o trabalho vai para os nossos times. Vamos identificar quem são as pessoas que têm as habilidades necessárias para implementar as mudanças, já que muitas delas resultarão em alterações ou novas soluções que darão suporte à cadeia de valor.

Times ágeis devem organizar o seu trabalho em lotes pequenos, mas valiosos, alinhados com as iniciativas de alto-nível da cadeia de valor. Eles costumam trabalhar em ciclos iterativos de curta duração, mas sustentáveis de forma a promover a rápida entrega de valor e o aprendizado.

Costumamos utilizar ferramentas de alinhamento estratégico como OKRs para garantir que cada pessoa que esteja trabalhando numa cadeia de valor compreenda como o trabalho realizado se conecta com a estratégia do negócio. Conhecendo o propósito por trás do trabalho realizado, é mais fácil para todos na cadeia empregar o seu potencial criativo na criação de novas soluções ou iniciativas, influenciando também a estratégia de baixo para cima.

Criamos papéis especializados na cadeia de valor com foco na perspectiva de negócios, como o Business Owner e o Product Manager. Eles estarão incansavelmente procurando por oportunidades de trazer inovação, experimentação, desenvolver a mentalidade de foco no cliente e mercado, buscando a evolução para o crescimento ou sobrevivência na Era Digital. Estes papéis são suportados por times ágeis que empregam ferramentas e práticas para entregar soluções de alta qualidade no menor intervalo de tempo sustentável.

Uma cultura de descentralização na tomada de decisão irá garantir que os times ágeis tenham a autonomia necessária para acelerar as mudanças que beneficiem todo o sistema, e não apenas o seu time. E, finalmente, dependendo de quantas pessoas tivermos trabalhando na cadeia de valor, talvez haja a necessidade de escalarmos nossas equipes para facilitar o alinhamento e aprimorar a comunicação e a integração entre as partes.

O pensamento sistêmico vai nos ajudar a evitar que os times passem a virar ilhas (silos), fortalecendo a visão de que todos fazem parte de um mesmo processo, onde é justamente a interação entre as partes que vai nos ajudar a gerar o tão desejado valor de negócio.

Conclusões

Você percebeu que escalar equipes ágeis é uma das últimas etapas de todo esse processo de evolução organizacional?

Eu espero que agora fique mais fácil de se entender o quão errado as coisas podem dar se começarmos nossa jornada para a Agilidade de Negócios buscando simplesmente escalar times ágeis sem primeiro conscientizar a alta gestão sobre os conceitos dos pensamentos Sistêmico, Enxuto, Ágil e o consequente Fluxo de Valor.

Precisamos ter uma clara visão das cadeias de valor do negócio e organizar as equipes de desenvolvimento ao longo do seu fluxo, de forma independente dos silos organizacionais e hierarquias funcionais a que pertencem.

Se falharmos na realização desses passos, vamos inevitavelmente terminar otimizando apenas partes do sistema e não atingir todo o potencial dos benefícios prometidos pelas definições de Agilidade de Negócios que vimos no início do artigo.

Seguem algumas sugestões de leitura para continuar nesta jornada:

Enterprise Agile Coach na Meta desde maio de 2021, possui grande experiência atuando com times de desenvolvimento de software na busca pela entrega de valor. Graduado em Ciência da Computação pela UFRGS e com pós-graduação em Gerenciamento de Projetos pela FGV, Rafael teve atuação com as práticas tradicionais de gerenciamento de projetos (certificado como Project Management Professional pelo Project Management Institute em 2009) tanto quanto com as práticas ágeis. Foi durante os seus mais de 11 anos atuando na Dell que Rafael teve a oportunidade de trabalhar com a agilidade em escala, sendo um dos pioneiros na adoção de SAFe na empresa e liderando um Agile Release Train com 15 times e mais de 100 pessoas na entrega de soluções para a área financeira da empresa. Na sua recente atuação como Agile Coach seu foco tem sido o mapeamento de cadeias de valor e a organização de times ágeis ao redor das mesmas em grandes clientes como a Rede Globo. Rafael tem sido o autor de uma série de artigos no contexto da agilidade com um foco acentuado no pensamento sistêmico.

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