Por que os gestores precisam ressignificar a perspectiva de resultados?

Ultimamente, meu maior foco de atuação como consultor em gestão empresarial tem sido a Análise da Estratégia de Negócios. Tenho feito isso no escopo da empresa como um todo, mas principalmente no contexto dos Programas de Aceleração de Negócios que desenvolvemos a partir dos princípios da Agilidade de Negócios (ou Business Agility, em inglês).

Defendemos que o pensamento estratégico é uma competência essencial para os líderes e gestores que atuam no contexto da Nova Economia Digital. Por esse motivo, acreditamos que Agile Business Owners e Coaches precisam desenvolver habilidades nesta que é a mais nobre área do conhecimento da Análise de Negócios: a Análise da Estratégia.

Muito mais do que identificar oportunidades e ameaças, analisar pontos fortes e fracos, ou construir mapas que colocam os resultados financeiros no topo da análise, o pensamento estratégico deve se tornar um processo de gestão baseado na experimentação e aprendizagem de novas capacidades organizacionais, visando diferenciais competitivos na geração de valor da empresa.

Escrevi este artigo para provocar uma reflexão sobre como o conceito de RESULTADOS ainda está associado à PERSPECTIVA FINANCEIRA no mundo empresarial, e como ele precisa ser ressignificado com urgência por líderes e gestores para estimularmos um novo pensamento que explora a abundância de oportunidades na Nova Economia Digital.

Analisar a estratégia é estruturar o pensamento da mudança

De acordo com o Guia para o Corpo do Conhecimento da Análise de Negócios (BABOK), a área de conhecimento Análise da Estratégia se concentra em entender porque uma mudança é necessária numa organização e definir as atividades necessárias para realizá-la com sucesso. De uma forma simplificada, a Análise da Estratégia tem como alvo de estudo:

  • O cenário atual indesejado de um contexto de negócios, com suas perdas associadas (reais e potenciais);
  • O cenário futuro desejado para este contexto, com seus ganhos associados (reais e potenciais);
  • Os riscos associados à mudança, com seus impactos no ambiente como um todo;
  • A estratégia de transformação, que demanda o desenvolvimento de novas capacidades organizacionais.

Para quem conhece o processo de coaching, estes elementos são quase os mesmos da estrutura da mudança que utilizamos no indivíduo, onde crenças limitantes podem se manifestar da mesma forma:

  • Se o estado atual é tolerável, não devemos colocar esforço na mudança;
  • Se não vou me beneficiar no estado desejado, não devemos colocar esforço na mudança;
  • Se existe algum risco na mudança, devemos permanecer onde estamos;
  • Se a mudança demanda um grande esforço, devemos permanecer onde estamos.

Você viu como é fácil perpetuar o status quo de um negócio praticando um modelo de análise frágil para o contexto da mudança? Acredito que você já deve ter escutado as manifestações acima em inúmeras organizações, pois é muito comum termos gestores com a cabeça do século XX liderando negócios do século XXI. Espero que você não seja um deles, pois acabará sendo parte do problema e não da solução nas iniciativas de evolução e inovação empresarial.

Pois bem, pense na Análise da Estratégia como um processo para estruturar o pensamento da mudança. Você deve aprender a fazer melhores perguntas sobre o contexto de negócios em que atua, desafiando velhas crenças limitantes e estimulando novas crenças evolutivas em todas as partes interessadas. Do contrário, continuaremos vendo gestores com o comportamento de “Alice no País das Maravilhas” (o conto de Lewis Carrol) diante dos desafios da Nova Economia Digital:

Alice – Gato Chershire, pode me dizer qual caminho que eu devo tomar?
Gato – Isso depende muito do lugar para onde você quer ir …
Alice – Mas eu não sei para onde ir!
Gato – Se você não sabe para onde ir, qualquer caminho serve

Se a análise do cenário atual não causar sofrimento na alta gestão e despertar um senso de urgência para a necessidade mudança, continuaremos em nossa “zona de conforto”. Se os ganhos e benefícios do cenário futuro não forem claros para todas as partes interessadas, optaremos pelo velho sofrimento conhecido. É por isso que os resultados empresariais são tão importantes, mas a percepção de valor precisa ir além da perspectiva financeira.

O diferencial entre o cenário futuro desejado e o cenário atual indesejado deve gerar uma energia potencial que desperte tanto o desejo quanto o comprometimento pela mudança. Os riscos serão considerados intrínsecos do processo de experimentação e aprendizagem, e toleráveis diante dos ganhos percebidos. Diante disso, o processo de mudança nada mais será do que transformar toda essa energia potencial em energia cinética, movendo a organização para um novo patamar de diferenciais competitivos.

Você é capaz de perceber o poder da Análise da Estratégia em qualquer iniciativa de transformação organizacional? Afinal, que os resultados financeiros têm a ver com tudo isso?

O legado maldito do Demonstrativo de Resultados do Exercício (DRE)

É meio pesado dizer que o DRE, o único relatório que define a saúde de uma empresa para a maioria dos gestores e investidores da Economia Clássica, tenha deixado um legado maldito para a gestão empresarial. Vou justificar a minha afirmação nos próximos parágrafos.

DRE é um relatório contábil que evidencia se as operações de uma empresa estão gerando um lucro ou prejuízo, considerando um determinado período de tempo. Desde que eu entrei no mundo da gestão empresarial (já faz algumas décadas), vejo o DRE como um grande aliado do empreendedor, pois ele confronta os dados das receitas e das despesas, mostrando o resultado líquido do seu desempenho e detalhando a real situação operacional de um negócio.

O problema é que sempre que falamos em resultados no mundo empresarial, a primeira coisa que vem à mente de seus gestores e especialistas são os RESULTADOS FINANCEIROS. É só falar que nosso programa de aceleração tem como objetivo alavancar resultados num determinado contexto de negócios que alguns profissionais mais atualizados com os valores e princípios da Nova Economia Digital surgem com as seguintes perguntas:

  • Mas a Business Agility não tem o foco no cliente? Por que focar somente no lucro da empresa?
  • Mas e o foco em pessoas do Manifesto Ágil? Não vamos regredir para modelos de gestão do passado?
  • Métricas moldam comportamentos. Se você focar somente em resultados, reforçaremos uma cultura tóxica.
  • Não podemos pensar somente em resultados! Temos que pensar em nosso impacto positivo na sociedade.
  • Henry Ford disse “Um negócio que não produz nada além de dinheiro é um negócio pobre”.
  • E por aí vai …

Resultados financeiros são essenciais para a saúde de qualquer negócio, mas o encantamento de nossos clientes, a percepção de valor de nossa marca e o impacto positivo na sociedade também são resultados que conquistamos a partir de nossas capacidades organizacionais.

Para colocar mais lenha na fogueira, vou trazer a visão estratégica de Kaplan e Norton, que predominou nas empresas no século XX com o famoso modelo Balanced Score Card (BSC). Você se lembra que a cabeça dos Mapas Estratégicos tem a Perspectiva Financeira como principal resultado da organização? Será que temos mais um culpado na associação do termo “resultados” com perspectiva financeira?

Não sei se estou sendo injusto com o DRE para culpá-lo da crença de que resultados empresariais são somente os resultados financeiros. Só sei que a Nova Economia Digital demanda uma visão muito mais ampla e complexa da percepção de valor sobre resultados empresariais.

A perspectiva de resultados na Nova Economia Digital

Entre 2013 e 2016, trabalhei com um grande executivo que costumava dizer “Resultado é o que resulta!“. Pode parecer óbvia, e até mesmo boba esta afirmação (como já me disseram uma vez que a citei num treinamento), mas muitos ensinamentos podem ser aprendidos com ela:

  • Se não há percepção de valor das partes interessadas sobre o trabalho realizado, ele é desperdício;
  • Não importa o quanto você tenha se esforçado para conquistar um objetivo ou atingir uma meta, você irá frustrar alguém caso não cumpra com o combinado;
  • Na perspectiva de negócios, os entregáveis (outputs) são meios para se atingir os resultados (outcomes). Foque na evolução dos resultados e não no desenvolvimento dos meios quando iniciar a análise da estratégia;
  • Desculpas verdadeiras (impedimentos) não irão resolver nossos problemas de negócios. Precisamos fazer algo à respeito, com senso de urgência e muita determinação (foco em resultados).

Costumo dizer que “Resultado é o que resulta de nossa capacidade de gerar resultados com os recursos que dispomos. Análise da Estratégia é a arte de adquirir e desenvolver novos recursos (soluções) para alavancar nossa capacidade de gerar resultados”. Para quem conhece os trabalhos The Core Competence of the Corporation e Strategy Intent, de Gary Hamel e C.K. Prahalad, essa é a relação de causa-efeito entre RECURSOS -> CAPACIDADES -> RESULTADOS.

Será então que nossa capacidade de gerar resultados se resume somente à perspectiva financeira? Não! Se pensarmos com a cabeça de líderes da Nova Economia Digital, que busca um crescimento exponencial sustentável diante da abundância de oportunidades nos problemas da sociedade, entenderemos que:

  1. Nossos resultados financeiros resultam de nossas capacidades de gerar resultados nos clientes;
  2. Nossos resultados nos clientes resultam de nossas capacidades de gerar resultados no mercado;
  3. Nossos resultados no mercado resultam de nossas capacidades de impactar positivamente a sociedade;
  4. Nossos impactos positivos na sociedade resultam de nossos investimentos no propósito que nos inspira.

É importante perceber que todos esses elementos são drivers de valor na perspectiva de resultados. Eles estão presentes no discurso do modelo das Organizações Exponenciais (ExO), que vai além dos resultados e contempla o Propósito Transformador Massivo (PTM) como razão de ser da própria organização.

Líderes da Economia Clássica irão iniciar a análise da estratégia a partir dos resultados financeiros e a atuar na carteira e clientes, considerando o desenvolvimento de marca (mercado) e o impacto positivo na sociedade (ESG) um bônus nos resultados da empresa. Líderes da Nova Economia Digital irão iniciar a análise da estratégia pelo propósito transformador e o impacto positivo na sociedade, posicionando sua marca como protagonista da mudança e tendo clientes e lucros como consequência de suas ações.

Conclusões

Acredito que este seja um dos maiores desafios que precisamos enfrentar no mundo empresarial nos dias de hoje: fazer com que líderes e gestores enxerguem resultados além da perspectiva financeira. Pode parecer piegas o que estou afirmando aqui, mas isso é fruto da minha experiência profissional com grandes empresas brasileiras, que estão alavancando seus resultados financeiros a partir desse novo modelo mental.

Desenvolver um pensamento estratégico adequado para o contexto da Nova Economia Digital é o primeiro passo para tornar Agilidade de Negócios uma realidade nas empresas. Mas isso é tema para um outro artigo, demonstrando como o Modelo PuRe CaRe (acrônimo formado com as palavras inglesas Purpose, Results, Capabilities and Resources), um poderoso mapa estratégico concebido para estimular a compreensão das relações causais entre os elementos Propósito, Resultados, Capacidades e Recursos, pode estimular esse novo pensamento nos líderes e gestores comprometidos com a aceleração dos negócios empresariais.

Autor, consultor, mentor, professor e palestrante em temas como Business Agility, Liderança Evolucionária, Estratégias Exponenciais (design, implementação e execução), Portfólio Enxuto (programas estratégicos) e Governança Ágil (alta gestão, conselho e liderança executiva). Parzianello é CEO da SURYA Consulting e fundador da ABO Academy, a primeira academia no mundo especializada no desenvolvimento profissional de Agile Business Owners, o papel catalisador da Business Agility nas organizações (modelo introduzido na Agile Conference 2019, Washington, USA). Um dos precursores dos Métodos Ágeis (2002) no Brasil, é coautor da Agile Extension to the Business Analysis Body of Knowledge (IIBA/Agile Alliance, 2012) e colaborador no Introduction to Product Ownership Analysis (IIBA, 2020). É criador e  apresentador do canal Lean Business Analysis Brazil no YouTube e professor de diversos programas de MBA da PUCRS.

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Comentários

  1. @parzianello , numa visão sua, como os Líderes da Economia Clássica que não possuem um autoconhecimento suficiente para se ver como Clássico, conseguiria ver esse gap e ter atitudes para se tornar um Líder da Nova Economia Digital?

    Pergunto pois vejo muitos “líderes” clássicos que possuem resultados financeiros bons e para eles, são equivalentes ao da nova economia digital…

    1. Bom dia! Desculpa pelo atraso na resposta. A plataforma não me informou do teu comentário. Já corrigimos isso!

      Respondendo a tua pergunta, acredito que precisamos realizar mais cursos de Gestão e Liderança de Negócios na Nova Economia Digital com os novos modelos pregados no cenário da Business Agility. Não adianta continuar falando de Liderança Servidora e a cobrança continuar sendo sobre resultados financeiros. Sinto dizer para muitos que essa cobrança vai continuar existindo! É um erro achar que a alta gestão não terá mais responsabilidade sobre a saúde financeira da empresa. O ponto é que existem outros drivers de valor que precisam ser orquestrados junto do driver financeiro. Por isso criamos o curso ABOF! Para desmistificar todo esse discurso que não está levando a nada …

      Sobre teu comentário final, é exatamente por isso que iniciamos nossos projetos de consultoria com alguns passos essenciais para despertar o interesse desses gestores:
      1) Denominar a iniciativa de Programa de Aceleração de Negócios – Afinal, alguém é contra acelerar o crescimento de uma empresa? Se sim, reveja o papel dessa pessoa na empresa.
      2) Facilitar o desenvolvimento de uma Estratégia Exponencial, tornando evidente as crenças limitantes da alta gestão e demais líderes de negócios (Business Owners estratégicos). Para isso, uma análise do potencial de mercado pode derrubar qualquer ideia de manutenção do status quo caso se descubra um mundo de abundância.
      3) Identificar os gestores que já possuem ou apresentam potencial para o modelo de Liderança Evolucionária. Esses devem assumir os programas estratégicos que irão desenvolver as novas capacidades de crescimento organizacional (Business Owners táticos).
      4) Implantar um modelo de Lean Portfólio Management para garantir o foco no que é valor de negócios e na redução de custos. Isso deve ser feito em paralelo com a definição de papéis, responsabilidades, autoridades, processos e estruturas. Ou seja, em paralelo à Governança Ágil.
      5) Por fim, comece a rodar a desenvolver as 4 competências essenciais da Agile Business Ownership na organização estimulando o desenvolvimento da quinta: Execução Evolutiva. Aqui colocamos em prática a famosa frase: Resultado é o que resulta! Se não observarmos melhoria de resultados de negócios em ciclos curtos, apontando uma tendência para o longo prazo, algo está sendo feito errado ou não está sendo feito.

      Espero que agora faça sentido porque concluímos que as 5 Competências Essenciais da Agile Business Ownership se tornaram a espinha dorsal de todas as ações e programa de educação da ABO Academy.

      Abração!

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