Ter autonomia não é ser autônomo: entre colaboração e competição

É fascinante como é fácil o acesso à informação (e à desinformação também…) nos dias de hoje.

Recentemente assisti a este vídeo aqui que explica a nós, leigos em medicina, um pouco sobre uma doença que muita tristeza e aflição traz à humanidade.

Mas a lição dele transcende a medicina e é sobre isto que eu quero falar aqui.

O vídeo explica que há uma programação muito simples no nosso DNA, onde basicamente seu maior propósito é fazer cópias praticamente perfeitas de si mesmo.

E é graças a este “praticamente” que temos um fenômeno chamado evolução.

Me acompanha nessa discussão para entender como vou chegar em autonomia, colaboração e competição.

Colaboração e competição nas células do organismo

Eventualmente estas micro alterações (ou mutações) que ocorrem nas cópias nos trazem alguma vantagem em relação à versão original. 

Assim, considerando que o nosso maior objetivo é fazer cópias de nós mesmos, a vantagem neste caso se dá em aumentar a nossa chance de gerarmos ainda mais cópias do nosso DNA.

Com isto, a tendência é que as células disputem entre si pelos recursos necessários para a realização de mais e mais cópias.

Ao longo do tempo, estas mutações levaram ao surgimento de formas de vida mais complexas. 

Por quê? Simplesmente porque a seleção natural nos mostrou que a colaboração entre diferentes células na forma de um organismo complexo é mais eficiente que a competição entre elas para a preservação do DNA.

Em um organismo complexo, as células continuam tendo a autonomia necessária para realizarem as ações que vão trazer melhores resultados para o organismo ao qual elas pertencem. 

E isso aumenta as chances deste organismo viver mais para poder gerar mais e mais cópias de si mesmo.

No entanto, as mesmas mutações que nos trouxeram até aqui eventualmente podem causar danos.

Um exemplo disto são mutações que fazem com que uma célula em um organismo complexo volte a ter um comportamento egoísta – competindo por recursos e se multiplicando de forma desenfreada, desalinhada com o organismo ao qual ela faz parte.

Logo, esta célula passa a ser autônoma em relação ao seu organismo.

Esta sede por recursos e o crescimento exponencial podem parecer ótimos numa perspectiva da célula mutante. Contudo, provavelmente serão fatais para o organismo.

E como sabemos, a morte do organismo implica na morte de todas as suas células, inclusive destas que achavam que “estavam arrasando no jogo da replicação”.

Trazendo para o nosso contexto da Agilidade de Negócios

As empresas são organizações feitas por pessoas que perceberam que juntas podem atingir resultados melhores do que trabalhando sozinhas. Assim, em vários casos, a tendência é que estas empresas cresçam e contratem mais pessoas.

Diante disso, conforme mais e mais pessoas vão sendo adicionadas à empresa, há sempre a chance de que alguma delas traga consigo um comportamento onde ela busque seu crescimento pessoal acima do crescimento da organização.

Ou seja, disputando com colegas para que se destaquem acima dos demais.

Em organizações maiores, é comum que departamentos inteiros comecem gradualmente a perder a visão do todo e passarem a trabalhar para os seus próprios objetivos internos.

Mesmo que eles não estejam necessariamente alinhados com os objetivos estratégicos da organização.

Estes departamentos eventualmente se veem numa competição onde para alguém ganhar, os demais devem perder. Afinal, os recursos de qualquer organização são finitos e eu quero a maior fatia do bolo!

Quando falamos de times de desenvolvimento de software, um assunto recorrente é a importância de termos autonomia de time.

Mas será que eles de fato querem ter autonomia ou serem autônomos?

Promovendo a autonomia

Devemos defender com unhas e dentes para que as pessoas, times e departamentos tenham autonomia para tomarem as melhores decisões que resultem positivamente para a estratégia da nossa organização.

Assim, um time com autonomia está focado em atingir os interesses da organização a que pertence. 

Este time sabe que o sucesso da organização é o seu sucesso.

Ele pode optar por tomar decisões que vão contra seus próprios interesses se isto trouxer ganhos para a organização como um todo.

Assim como, este time pode optar por atrasar suas próprias entregas para ajudar outro time que está com problemas num escopo que é ainda mais relevante para a organização.

Por sua vez, as lideranças precisam estar muito atentas para que situações assim sejam destacadas e dadas seu devido reconhecimento. 

O oposto – penalizar o time que atrasou sua entrega – apenas traria a mensagem de que é mais importante a competição do que a colaboração.

Se o foco das métricas utilizadas na organização for algo como “planejado vs. realizado“, vocês acham que algum time mudaria seu plano para ajudar outro, mesmo que isto trouxesse melhores resultados para a empresa?

Por isso é tão importante que as organizações foquem em medir aquilo que realmente interessa.

Um time autônomo

Por outro lado, um time autônomo atua para atingir os seus próprios interesses. Assim, ele não deve satisfação a ninguém. 

Para um time autônomo vale brigar por recursos para o seu próprio crescimento, mesmo que isso traga impactos negativos para a organização.

No esporte, é o caso daqueles atletas que não se abalam com a derrota do seu time desde que individualmente tenham feito uma bela partida. 

Preferem desperdiçar um chute a gol do que passar a bola para o colega que tinha melhores chances de acertá-lo.

Em alguns casos, comportamentos assim podem até trazer uma visão de “crescimento acelerado” a curto prazo, com algumas pequenas vitórias que podem parecer impressionantes.

Enfrentando, logo será percebido que este crescimento é na verdade descontrolado, insustentável e nocivo para a organização.

E no teu caso, há competição ou colaboração?

Assim como na medicina, o quanto antes atuarmos na prevenção e identificação destes comportamentos disfuncionais, menores serão os impactos para o sucesso e crescimento saudável da nossa organização.

O teu time briga para ter autonomia ou para ser autônomo? Preferem a colaboração ou a competição

E a organização – tem uma cultura que promove a colaboração com autonomia ou a competição entre células autônomas?

Diante das discussões que trouxe, gostou da leitura?

Seguem outros artigos que podem ser do interesse!

Enterprise Agile Coach na Meta desde maio de 2021, possui grande experiência atuando com times de desenvolvimento de software na busca pela entrega de valor. Graduado em Ciência da Computação pela UFRGS e com pós-graduação em Gerenciamento de Projetos pela FGV, Rafael teve atuação com as práticas tradicionais de gerenciamento de projetos (certificado como Project Management Professional pelo Project Management Institute em 2009) tanto quanto com as práticas ágeis. Foi durante os seus mais de 11 anos atuando na Dell que Rafael teve a oportunidade de trabalhar com a agilidade em escala, sendo um dos pioneiros na adoção de SAFe na empresa e liderando um Agile Release Train com 15 times e mais de 100 pessoas na entrega de soluções para a área financeira da empresa. Na sua recente atuação como Agile Coach seu foco tem sido o mapeamento de cadeias de valor e a organização de times ágeis ao redor das mesmas em grandes clientes como a Rede Globo. Rafael tem sido o autor de uma série de artigos no contexto da agilidade com um foco acentuado no pensamento sistêmico.

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