Agilidade de negócios é diferente de agilidade nos negócios. E as duas são fundamentais.

No artigo anterior, falei sobre a quarta década da agilidade, a da Agilidade Estratégica. Ela também é conhecida pelos termos Agilidade de Negócios ou Business Agility. Só que, observando o uso destes termos, percebo que há uma clara confusão em relação ao que de fato significa Business Agility. Neste artigo, vou ajudar a esclarecer a confusão.

De forma sucinta, Agilidade DE Negócios não é Agilidade NOS Negócios. Ambas são fundamentais, mas a primeira fala de criar condições para adaptação contínua dos negócios, e deve ser entendida como Business Agility. A segunda fala de criar uma cultura de agilidade por toda organização e deve ser entendida como Agile Within the Business.

Um erro recorrente é dizer que estamos desenvolvendo estratégias de Business Agility, quando na verdade estamos sim criando condições para ter “agile within the business”. E por que entender isso é mais do que somente um preciosismo conceitual? Primeiro, porque isso confunde quem está no dia a dia das empresas. Segundo, e mais importante, porque as estratégias em cada um são bem diferentes.

Agilidade na Alta Gestão das Empresas

Vamos entender como chegamos até aqui e tentar deixar isso mais claro? Para isso, precisamos voltar pelo menos até 2016. Naquele ano a Harvard Business Review, uma das revistas de gestão mais conhecidas no mundo, publicou um artigo com o título Embracing Agile, escrito por Darrell K. Rigby, Jeff Sutherland e Hirotaka Takeuchi. No artigo, os autores refletem sobre a importância da gestão ágil para além do software. E mostram que a maioria dos líderes de negócios está familiarizada com equipes de inovação ágeis e seus impactos nos projetos e nas organizações.

Neste mesmo ano de 2016, executivos e mentores de grandes executivos começaram a trazer para a mesa da alta gestão o tema de business agility e como preparar as organizações para abordá-lo. Um dos primeiros executivos a escrever a respeito foi Charlie Rudd, CEO da Solutions IQ, empresa comprada pela Accenture em 2017. No artigo The Third Wave of Agile, escrito originalmente em março de 2016 e traduzido para português, ele trouxe uma reflexão muito interessante sobre como na visão dele business agility seria a terceira onda da agilidade (Figura 1).

Ao escrever sobre isso, ele explica que a primeira onda focou em times ágeis (o que chamei de agilidade organizacional no meu primeiro artigo). Já a segunda onda focou em ágil em escala (o que chamei de agilidade organizacional). E de fato, o tema ganhou destaque muito além do software. Em Maio de 2018, a Harvard Business Review novamente publicou um artigo sobre agilidade, desta vez sobre agilidade em escala e com matéria de capa (Agile at Scale, escrito por Darrell K. Rigby, Jeff Sutherland e Andy Noble). Já na terceira onda, a da business agility, ele explica que o objetivo seria transformar a forma como estabelecemos, lideramos e gerenciamos as organizações, mudando para uma mentalidade ágil, promovendo uma cultura de aprendizagem organizacional e adotando operações ágeis em toda a organização. Tudo isto está correto. Mas o que ele chama de business agility na verdade continua sendo agilidade organizacional e agilidade em escala. Ele pouco fala sobre como tudo isso impacta no negócio e no seu resultado propriamente dito.

Figura 1. As três ondas da agilidade, segundo Charlie Rudd

Agilidade no Nível Estratégico Organizacional

Stephen Denning é outro autor que escreve sobre este tema pelo menos desde 2017. E para mim é um dos autores que melhor escreve sobre agilidade de negócios. Ele escreve para a Forbes e atua como mentor e consultor de organizações nos temas de liderança, inovação e gestão. Atuou também por muitos anos como executivo do banco mundial e publicou no início de 2018 o livro A Era da Agilidade (The Agile of Agile), que foi reconhecido como um dos melhores livros de negócios pelo Financial Times.

Denning introduziu o termo agilidade estratégica. Em artigo escrito no início de 2017 (Beyond Agile Operations: How to Achieve the Holy Grail of Strategic Agility) ele comenta que enquanto a maioria das grandes organizações ainda está aprendendo a dominar a agilidade operacional, os principais benefícios financeiros da gestão ágil nas empresas virão com a agilidade estratégica (Figura 2). Que a prática de gestão ágil ainda reflete uma preocupação em alcançar agilidade operacional – permitindo que uma equipe, uma unidade ou uma empresa inteira adapte seus produtos e serviços existentes para atender às necessidades dos clientes, com ganhos de eficiência ou melhorias de qualidade.

Figura 2. Traduzido e adaptado do livro The Age of Agile, de Stephen Denning. A figura foi traduzida e adaptada, trazendo algumas contribuições autorais. Incluímos uma visão das diferentes décadas (inspirada no livro do John Orvos, citado no artigo) e o uso dos termos agilidade operacional, organizacional e de negócios.

Agilidade operacional é importante e eu diria fundamental para uma empresa sobreviver nesta nova economia digital. Mas sobreviver hoje não é mais uma opção e sim uma necessidade. Talvez o mínimo a fazer em um mercado onde os concorrentes geralmente são rápidos em se adequar às mudanças e o poder de mercado vem mudando em ciclos cada vez mais curtos.

Assim, o argumento de Stephen Denning é de que ao invés de ser ligeiramente melhor do que seus concorrentes em um mercado estabelecido e de difícil competição, muitas vezes é melhor criar um novo mercado e dominá-lo. Ou seja, dominar uma inovação criadora de mercado (que abre mercados que não existiam anteriormente), gerando um impacto muito maior para a sociedade (econômico, social e ambiental).

O que esta figura nos diz? Que enquanto no século 20 as empresas eram lentas e burocráticas, atuando muitas vezes num modelo de comando e controle e com capacidade limitada de inovar (1), no século 21 o cenário começou a mudar, principalmente a partir do Manifesto Ágil de 2001. Surge então a agilidade operacional em nível de equipe e unidade (2). Alcançar a agilidade em toda a empresa surge logo depois (3). Porém, a transição é difícil nas empresas em que os próprios gestores seniores ainda estão aprendendo a adotar uma cultura de gestão diferente (eu costumo dizer que nestas empresas o foco continua mais “no que” e menos “no porque”). Mais nos métodos e ferramentas e menos nas razões para adotá-los e nos resultados gerados.O Klaus Leopold escreveu sobre isso no seu recente livro Repensando a Agilidade, publicado em 2020. Há uma permanente tensão entre a forma como uma equipe funciona e a forma como toda a organização opera. Recomendo a leitura do livro do Klaus. Ou seja, não podemos limitar a gestão ágil ao nível de equipe ou unidade, pois isso além de limitar os ganhos, dificulta o caminho para a agilidade estratégica. E muitas empresas hoje ainda estão aprendendo como alcançar agilidade operacional em toda empresa, ou seja, agilidade organizacional. E quando conseguirem lidar com isso, vão perceber que isto é o mínimo a fazer. Na prática, o desafio do século 21 é outro: o da agilidade estratégica (4). E começa a tomar forma a partir desta década.

Agilidade de Negócios é Diferente de Agilidade nos Negócios

Para fechar esta reflexão, trago o livro Achieving Business Agility, publicado em 2018 pelo John Orvos. Além de trazer uma clara diferenciação entre a agilidade de negócios e a agilidade dentro dos negócios (ou nos negócios), ele também apresenta uma breve evolução da agilidade até o ano de publicação do livro (2018), conforme a figura a seguir.


Figura 3. Evolução da agilidade, seguindo John Orvos

Esta figura foi então traduzida, atualizada e adaptada por Mateus Piveta, diretor e sócio da Surya – Business Agility Getting Real e por mim (Figura 4 a seguir). 

Figura 4. Evolução da agilidade, traduzido e adaptado de John Orvos

John Orvos faz questão de destacar que implementar uma cultura ágil dentro da empresa não é necessariamente desenvolver habilidades e capacidades para estar pronto para adaptação contínua do negócio. É ele quem traz o termo agile within the business que eu usei no início deste artigo. Ou seja, o que muitas vezes chamamos de business agility é na verdade agile within the business.

O que chamamos de agilidade de negócios é na verdade agilidade nos negócios, ou agilidade organizacional. Além disso, a agilidade de negócios pressupõe um olhar para a estratégia e um conjunto de habilidades e capacidades adicionais. A Harvard Business Review inclusive publicou um artigo sobre isso em 2020, que novamente foi matéria de capa. O artigo The Agile Executive (C-Level ágil na versão em português) escrito por Darrell K. Rigby, Sarah Elk, e Steve Berez, fala da necessidade de equilibrar eficiência e inovação, demandando uma evolução da gestão estratégica empresarial e novas habilidades dos executivos.

Conclusão

Em resumo, agilidade operacional e agilidade organizacional são necessárias para a sobrevivência das empresas em um mundo cada vez mais dinâmico. Mas para prosperar uma empresa não pode mais depender do domínio do setor em que desenvolveu sua competência principal. As fronteiras entre os diferentes mercados estão entrando em colapso. E é isso que de fato representa business agility, ou agilidade de negócios.

Empresas que desejam dominar a agilidade de negócios precisam adotar uma abordagem mais consistente e coerente em relação às inovações criadoras de mercado. E desenvolver em suas equipes profissionais com habilidades para adaptar continuamente os negócios. Esse deve ser o foco. Por isso temos trabalhado tanto no desenvolvimento do papel do Agile Business Owner e da ABO Academy. O ABO preenche uma lacuna na agilidade de negócios e será muito necessário nesta década que está começando.

Business Partner da ABO Academy. É professor e pesquisador da Escola Politécnica da PUCRS e assessor da Superintendência de Inovação e Desenvolvimento da PUCRS e do TECNOPUC. Faz parte da segunda geração de profissionais precursores de Métodos Ágeis no Brasil (2007). Atua na equipe coordenadora do GUMA – Grupo de Usuários de Metodologias Ágeis do Rio Grande do Sul desde 2009. Foi coordenador geral da Agile Brazil em 2010 e co-fundador da Agile Alliance Brazil em 2013, uma organização sem fins lucrativos criada para ajudar a difundir a cultura ágil no país. Atuou como gestor na área de inovação e desenvolvimento da PUCRS / Tecnopuc de 2009 até 2020. É co-autor do livro Métodos Ágeis para Desenvolvimento de Software, publicado em 2014 pela editora Bookman.

Doutor em Ciência da Computação pela PUCRS, com estágio de doutorado na University of Victoria no Canadá. Possui também capacitação em gestão de ecossistemas de inovação pela Anprotec (Brasil) e Innopolis Foundation (Coréia do Sul) e formação em liderança pela Insper e Instituto Rutemberg (Israel). Atua nos temas de gestão da inovação, gestão de ecossistemas de inovação, transformação digital e estratégica e futuro do trabalho, gestão e liderança para a Nova Economia Digital e metodologias ágeis. É professor das disciplinas de metodologias ágeis e de organizações exponenciais dos MBA da PUCRS Online.

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