A Quarta Década da Agilidade: Da Agilidade Operacional à Agilidade Estratégica

Em 11 de Fevereiro de 2001, 17 profissionais de desenvolvimento de software se reuniram em Utah, nos Estados Unidos, saindo de lá dois dias depois com a proposta de um manifesto para melhorar a forma de desenvolver software. O Manifesto Ágil completou 20 anos em 2021 e é amplamente conhecido e divulgado. Mas a pergunta que impera passa a ser: o que irá marcar a próxima década da Agilidade?

Um Resgate da História da Agilidade

O movimento que originou o Manifesto iniciou nos anos 90. Por isso, em 2021 entramos na quarta década da agilidade, em que as organizações precisam se transformar continuamente para se manterem competitivas. Se antes, a motivação era entregar valor em ciclos cada vez mais curtos de desenvolvimento de projetos, hoje isso já não é mais suficiente. Agora, e em especial nos últimos anos, este movimento vem permeando diversas áreas e níveis de gestão nas organizações, chegando ao nível estratégico. E é perceptível a necessidade de adaptar as organizações não apenas a novos modelos de gestão e liderança, mas também a novos modelos de negócio. 

E por que isso ocorre? Primeiro, porque o mundo VUCA, abundante e digital faz parte da nossa vida há anos e vai continuar fazendo. Segundo, pelo potencial da nova economia digital na aceleração dos negócios e seus resultados. E terceiro, pela necessidade natural de que a agilidade então evolua para um foco em negócios.

O Contexto Empresarial Diante do Mundo VUCA

A definição de VUCA foi apresentada nos Estados Unidos em 1988, no contexto do exército americano e diz respeito à Volatilidade, Incerteza (no inglês Uncertain), Complexidade e Ambiguidade. A volatilidade envolve um contexto de mudanças rápidas e significativas. Mudanças essas que levam a uma incerteza, tornando as atividades de planejamento mais difíceis. Já a complexidade envolve muitas variáveis e suas relações para entender determinados fenômenos. E a ambiguidade envolve entender cenários a partir de diversas interpretações possíveis. E como lidamos com isso? Precisamos de resiliência e propósito para lidar com a volatilidade. Precisamos de flexibilidade para adaptação quando a incerteza é grande. Precisamos de multidisciplinaridade para lidar com a complexidade. E precisamos de uma visão sistêmica para lidar com a ambiguidade. Em resumo, o mundo VUCA é o mundo da abundância e do “E”, não do “OU”.

Por isso, gosto de adicionar mais dois termos que, para mim, complementam esse mundo VUCA. O primeiro é a própria abundância e o segundo é o digital. Mas qual é a novidade do que estamos vivendo hoje para o que vivíamos há 50 anos atrás? A resposta é tão simples quanto complexa: a velocidade. Hoje, tudo muda e acelera em ciclos cada vez mais curtos. As ondas de inovação de Schumpeter já nos mostravam isso. 

A Acelerada Evolução do Mundo

Em 1956, um artigo chamado “Milagres Eletrônicos do Futuro” foi publicado em uma revista chamada Eletrônica Popular. Este artigo fazia uma previsão dos próximos 50 anos, ou seja, até 2006, somente em termos de evolução tecnológica. O artigo falava dos milagres que aconteceriam na nossa sociedade de 1956 até 2006 e que fariam com que a gente transformasse coisas que para nós hoje são comuns. Já em 1965, Gordon Moore apresentou a Lei de Moore, onde ele dizia que o poder computacional dobraria a cada 18 meses. Moore foi um dos fundadores da Intel em 1968. O mundo sempre evoluiu ao longo da sua história, mas em tempos recentes passou a evoluir em uma velocidade que muitas vezes não conseguimos acompanhar. Ou acompanhamos de uma forma mais lenta em relação aos avanços que acontecem. Muitos futuristas falam com frequência que o Século XXI trouxe consigo uma mudança de era e não uma era de mudanças. 

Se falarmos sob o ponto de vista da Agilidade, vamos sempre lembrar do famoso artigo do Takeuchi e Nonaka, o New New Development Game. Ele deu origem a muitos movimentos na história da Agilidade. Mas faço questão de mencionar aqui o livro do Don Tapscott, publicado em 1995 com o título de Economia Digital. Foi a primeira vez que o termo Economia Digital foi utilizado. Com o subtítulo de Promessas e Perigos na Era da Inteligência nas Redes, ele trazia 12 temas para a Economia Digital: 

  1. Conhecimento: É o fator fundamental no momento da geração de valor.
  2. Digital: As informações estão em formato digital.
  3. Virtualização: O virtual não implica a inexistência, mas o uso da rede e o trabalho sobre ela.
  4. Molecularização: Transcende a estrutura linear e piramidal.
  5. Integração/Interconexão em Rede: A rede implica em novas formas de trabalho.
  6. Desintermediação: Eliminação das barreiras entre os participantes do comércio.
  7. Convergência: O setor predominante é a mídia.
  8. Inovação: Renovação contínua de produtos, sistemas, processos, marketing e pessoas.
  9. Proconsumidor: Formas de interação entre produtores e consumidores/clientes
  10. Imediatismo: Velocidade das mudanças e a necessidade de gerar respostas imediatas.
  11. Globalização: A consequência da comunicação imediata e da massificação da tecnologia.
  12. Discordância: A desigualdade é gerada entre aqueles que têm conhecimento e aqueles que não o têm.

Agilidade Estratégica Chega Para Ser Protagonista

Em resumo, o Movimento Ágil e o próprio Manifesto Ágil publicado em 2001 são resultado de diversos acontecimentos registrados durante os anos 90, que culminaram com o desenvolvimento de diversos frameworks, métodos e abordagens Ágeis, com foco inicial no desenvolvimento de software. Com o Manifesto Ágil de 2001, a Agilidade chegou de vez nas equipes de TI (Agilidade Operacional de 2001 a 2010). Depois, expandiu-se para a Agilidade fora da TI e para a Agilidade em escala, refletindo diretamente na cultura organizacional e na forma de gerir as empresas no Século XXI (Agilidade Organizacional de 2011 a 2020).

Dessa forma, a Agilidade permeou as equipes, os processos e refletiu diretamente nos produtos desenvolvidos e entregues. Tudo isso funcionou muito bem até que as organizações começaram a crescer, criando, muitas vezes, estruturas mais hierárquicas de comando e controle para garantir compliance e escalabilidade. Entretanto, com o tempo, essas estruturas foram dissolvendo os fluxos organizacionais e movimentos disruptivos, como o crescimento tecnológico sem precedentes, já destacado anteriormente, fez as organizações perceberem que essas estruturas comprometem a capacidade de responder rapidamente, de sobreviver a esse tipo de cenário e de adaptar continuamente o seu negócio. Por isso, nos últimos anos emergiu o conceito de Agilidade Estratégica, também conhecida como agilidade de negócios ou Business Agility.  

Diante desse contexto, essa década que inicia nos desafia a pensar não apenas na Agilidade para dentro, para as equipes, processos e produtos. Ela nos desafia a pensar cada vez mais para fora, para o mercado, acelerando resultados através da Agilidade Estratégica.

Uma definição objetiva de Agilidade Estratégica seria a capacidade de proativamente aprender, ser flexível e gerar inovações visando manter-se competitivo em mercados extremamente incertos. Ela lida com a capacidade da organização de gerar ou sustentar negócios capazes de se adaptar às mudanças de mercado e se alinhar às demandas de seus clientes no mundo de alta complexidade da Nova Economia. Mais do que buscar a simples disseminação de práticas Ágeis pela organização, é preciso haver foco no desenvolvimento de capacidades organizacionais que expandam o seu potencial, para concretizar os resultados desejados na forma de clientes mais satisfeitos, maior diferenciação competitiva e mais rentabilidade econômica, tendo cada vez mais presente o DNA empreendedor. Em resumo, é a capacidade de estar permanentemente preparado para adaptar continuamente o seu negócio. E este movimento está apenas começando.

Business Partner da ABO Academy. É professor e pesquisador da Escola Politécnica da PUCRS e assessor da Superintendência de Inovação e Desenvolvimento da PUCRS e do TECNOPUC. Faz parte da segunda geração de profissionais precursores de Métodos Ágeis no Brasil (2007). Atua na equipe coordenadora do GUMA – Grupo de Usuários de Metodologias Ágeis do Rio Grande do Sul desde 2009. Foi coordenador geral da Agile Brazil em 2010 e co-fundador da Agile Alliance Brazil em 2013, uma organização sem fins lucrativos criada para ajudar a difundir a cultura ágil no país. Atuou como gestor na área de inovação e desenvolvimento da PUCRS / Tecnopuc de 2009 até 2020. É co-autor do livro Métodos Ágeis para Desenvolvimento de Software, publicado em 2014 pela editora Bookman.

Doutor em Ciência da Computação pela PUCRS, com estágio de doutorado na University of Victoria no Canadá. Possui também capacitação em gestão de ecossistemas de inovação pela Anprotec (Brasil) e Innopolis Foundation (Coréia do Sul) e formação em liderança pela Insper e Instituto Rutemberg (Israel). Atua nos temas de gestão da inovação, gestão de ecossistemas de inovação, transformação digital e estratégica e futuro do trabalho, gestão e liderança para a Nova Economia Digital e metodologias ágeis. É professor das disciplinas de metodologias ágeis e de organizações exponenciais dos MBA da PUCRS Online.

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