Agilidade de Negócios está aprisionada no passado
Você já se imaginou preso em um espaço-contínuo do tempo? Imagina viver um único dia, diversas vezes, sabendo exatamente o que vai acontecer e olhar para os lados e ver as pessoas repetindo as mesmas coisas, os mesmos erros. Isso é uma história que já foi pauta de diversos filmes de ficção, inclusive o clássico (na minha visão), “O Feitiço do Tempo” lançado em 1993 e estrelado por Bill Murray.
Murray interpreta um repórter que é condenado a reviver indefinidamente o mesmo dia até que mude suas atitudes. Esta maldição acontece quando ele vai cobrir as celebrações do dia da Marmota, que é um festival que acontece anualmente no dia 02 de Fevereiro, na cidade de Punxsutawney, no estado da Pensilvânia, nos Estados Unidos.
Mas o que isso tem a ver com Agilidade de Negócios?
Vou explicar mostrando algumas descobertas que tenho feito como aluno de mestrado e pesquisador sobre Agilidade de Negócios. Antes, o que me motivou a entrar no mestrado em Ciências da Computação foi uma pergunta que martelava a minha cabeça: O que fez o negócio e tecnologia se distanciaram? E essa dúvida evolui para “quando começaram a seguir caminhos diferentes, as vezes parecendo até caminhos opostos?”
Primeiro, voltamos ao início de 1990, para analisar o que pode ter iniciado a ruptura entre Negócios e a Tecnologia. Nessa época, começaram a surgir diversos Métodos Leves para Desenvolvimento de Software, era assim que os Métodos Ágeis eram chamados. Esses métodos surgiram em resposta aos antigos modelos de desenvolvimento de software, que se mostravam mais burocráticos, engessados e sem privilegiar a forma iterativa de desenvolvimento.
Porém, mesmo adotando as práticas dos métodos leves, o que ocorreu foi que a velocidade com que a TI entregava produtos digitais estava aquém das expectativas do negócio e muito mais lenta do que as mudanças observadas nos desejos dos consumidores. Para você que não é de tecnologia, o Scrum, que foi lançado em 1993, se tornou um dos métodos leves mais populares fora da TI.
Ou seja, por mais “ágil” que a TI fosse, talvez não era o suficiente para antecipar, surpreender os clientes e ainda atender as necessidades de negócio. Podemos chamar esse momento de “Crise do Software” e a época em que o abismo entre estratégia de negócio e tecnologia começou a ser formar. Existiu um momento na história, em que prevalecia a harmonia?
A harmonia entre negócio e tecnologia
A evolução tecnológica sempre foi um impulsionador de novos negócios. Sem irmos tão longe, podemos trazer nomes importantes como Gordon Moore, que era um líder de negócio e observador, especialista em tecnologia.
Em 1965, Moore fez uma previsão que determinaria o ritmo da revolução digital, conhecida como a lei de Moore. Em resumo, ela dizia que o poder da computação aumentaria tremendamente e que seu custo relativo cairia a um ritmo vertiginoso. Na condição de cofundador da Intel, Moore preparou o terreno para empresa prosperar, unindo resultados de negócios, rápida resposta à nova onda de inovação com o uso da tecnologia e soube orquestrar suas entregas com relação os anseios dos consumidores. Poderia citar outros tantos que usavam a tecnologia como meio de alavancar negócios. Até 1990, negócios e tecnologia viviam em harmonia, Steve Jobs e Bil Gates são outros exemplos populares que posso citar aqui.
A tecnologia sempre foi uma forte aliada dos negócios, provocava mudanças ao mesmo tempo que dava respostas para negócio se fortalecer. E por que isso mudou? Será que a tecnologia evoluiu muito mais rápido do que a gestão de negócios conseguiu acompanhar, e isso causou distanciamento?
A beira do precipício
Gosto muito de citar o economista e cientista político austríaco Schumpeter. Ele é um dos pioneiros a considerar as ondas de inovações tecnológicas como motor de desenvolvimento. A ondas sucessivas também podem ser chamadas de “destruição criativa ou destruição criadora”. Isso porque quando uma nova onda inicia toda uma cadeia produtiva sofre alterações radicais, a ponto de deixar de existir. A percepção que se tem é que estas ondas estão cada vez mais rápidas e “disruptivas”, exigindo uma velocidade de resposta muito mais veloz ao passar dos anos.
Na década de 1980, o mercado viu uma nova onda surgir que rapidamente começou a transformar o mundo. Com os primeiros movimentos em direção à popularização do computador pessoal, o consumidor estava ansioso por novas aplicações e melhorias em produtos digitais. Essa dinâmica fez com que profissionais da área de engenharia de software fossem cada vez mais solicitados e, na metade dos anos 1990, as cobranças por entregas mais frequentes, se intensificaram. Isto estimulou a busca por formas de desenvolvimento mais enxutas, garantindo alta produtividade e entregas iterativas. Esse movimento marcou a primeira década da Agilidade para Desenvolvimento de Software, quase 10 anos antes do Manifesto Ágil ser lançado.
Os líderes de negócios estimulados pelas oportunidades de um novo mercado consumidor, demandavam soluções de tecnologia para seus profissionais de TI. O que acabou acontecendo é que a resposta era mais lenta que as mudanças de mercado, o que causava um forte desapontamento na cúpula das organizações. Esse foi o primeiro passo para fazer com a tecnologia e negócios seguissem por caminhos diferentes. Mas o que impedia profissionais de tecnologia de responder rapidamente às mudanças? Por que o leadtime da entrega estava em desconformidade com os requisitos de negócio? Talvez estas sejam as grandes questões que revivemos indefinidamente até hoje e que nos dá a sensação de estarmos presos nos anos 1990.
Agilidade de Negócios está presa em um espaço contínuo de tempo, ainda nos anos 1990.
Foi entre 1991 e 1992 que o termo agilidade ganhou o significado que mais se aproxima do conceito utilizado nos dias de hoje. O Instituto Iacocca da Universidade de Lehigh estabeleceu uma definição de agilidade como “a capacidade de prosperar de forma imprevisível em um ambiente em mudança”. Esta definição era uma resposta para as perguntas acima. As lideranças de empresas enxergavam um ambiente em constante mudança e em um mercado fragmentado, que representava uma grande oportunidade, porque a empresa que ocupasse os espaços do novo mercado digital, iria liderar esse novo ciclo econômico. Por outro lado, quem não se adaptasse ao novo contexto, sofria com a ameaça de extinção.
Percebemos aqui que a definição de agilidade é anterior ao Manifesto Ágil, lançado em 2001 e que foi cunhada por uma escola de negócios. Foi apenas em 2001 que tecnologia se apossou do termo ágil. O movimento ágil para desenvolvimento de software, iniciado no início dos anos 1990, passou pela primeira década pós manifesto com o foco de perseguir práticas ágeis em nome da agilidade e não tinha, como foco principal a melhoria dos resultados de negócio, um forte motivo para o desapontamento e conflito de interesses entre entrega de tecnologia e necessidades de negócio.
Até hoje, são diversas pesquisas que apontam que as metas operacionais são mais enfatizadas do que a estratégica de negócio, mesmo em organizações que estão realizando uma transformação digital ou dizem adotar o pensamento ágil. Logo, mesmo quando empresas assumem caminhar entre os valores e princípios da Agilidade de Negócios, ainda parecem estar presas na agilidade operacional da década de 1990. Por mais que existam frameworks, práticas para escalar a agilidade e conceitos fabulosos que definem o que é Agilidade de Negócios, na prática, a realidade é que pouco se percebe uma agilidade que vai além da perspectiva de entrega de produtos de software.
O termo Agilidade de Negócios é relativamente novo, surgiu na segunda década pós manifesto ágil, para representar a tentativa de união entre os valores e princípios do manifesto com as necessidades de negócio. Porém, parece ser mais uma tentativa de renovar a esperança de voltar a fazer com que negócios e tecnologia vivam em harmonia do que de fato demonstrar agilidade. Poucos entenderam o que essa expressão significa. Poucos estão dispostos a entender, talvez.
Precisamos quebrar o feitiço
Fazendo a conexão com o filme “O Feitiço do Tempo”, algumas pessoas, como eu, parecem estar percebendo que a Agilidade de Negócios está presa no passado. Olhamos para o lado e vemos as mesmas reclamações que se ouvia na crise do software. Estamos dia a dia lendo artigos, textos, livros que trazem belos cases de sucesso de Agilidade de Negócio que o foco é um “processo ou uma ferramenta ágil” adaptada.
O discurso que se repete é de que “o foco é gerar valor para o cliente e de respostas mais rápidas aos avanços e mudanças do mercado”. Estamos ainda buscando responder as mesmas perguntas de 30 anos com as mesmas respostas e algumas palavras novos, mais bonitas e contemporâneas.
Por isso, vejo como se estivéssemos presos na década de 1990. E como no filme, só vamos nos libertar desse “feitiço” quando mudarmos nossas atitudes, quebrarmos nossas crenças limitantes e de fato olhar negócios e tecnologia como uma coisa só, um não existe sem o outro em uma economia digital.
Devemos entrar em uma era, como trazido por diversos especialistas, em que a cultura é “Business Driven e Pivot-Ready”, ou seja, Agilidade de Negócios tem como foco Resultados de Negócios (leia aqui o artigo para entender que o que estou falando vai além da perspectiva financeira). E em um ambiente de constante mudança, o mundo VUCA, devemos estar sempre prontos para a mudança, seja ela qual for, mesmo que para isto a gente precise matar nossas melhores ideias antes que elas acabem por extinguir nosso negócio.
Para encerrar, mais que trazer respostas prontas, eu vou deixar aqui mais 3 referências para artigos sobre Agilidade de Negócios publicados aqui na ABO Academy. Esse é um assunto fascinante e espero em breve trazer mais provocações e algumas respostas também.
Co-Fundador da ABO Academy, sócio e head de Consultoria na SURYA | Business Agility Getting Real (2001), uma empresa de consultoria e educação executiva, referência em Agilidade de Negócios no Brasil, que desenvolve programas de aceleração de resultados baseados nas abordagens Lean, Ágil e Exponencial (ExO).
Formado em Publicidade e Propaganda, especialista em Marketing Estratégico e Mestrando em Ciência da Computação, atua como palestrante, mentor e consultor em projetos de agilidade de negócios e transformação digital de empresas.
Sou um incentivador, estudioso e disseminador dos princípios e valores presentes no papel do Agile Business Owner. Um modelo de liderança para a nova economia digital, que unifica o que há de melhor dos pensamentos Lean, Ágil e Exponencial e torna líderes de negócio agentes inspiradores e catalisadores de mudanças organizacionais.
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